Sobre a raiva feminina
A socialização de fêmeas nos adestram a sermos frágeis, vulneráveis, melancólicas e silenciosas na dor.⠀
A raiva feminina é frequentemente vista como ameaçadora, como uma força que intenciona machucar porque a mulher é louca. Ao invés de ser vista como vinda da angústia.⠀
Mulheres enfurecidas são doentes, doidas, mal amadas, desprezadas, traídas (tudo sempre tem que ter a ver com um homem ou com a falta dele). Já homens em fúrias são considerados fortes.⠀
Tem outro problema na raiva e fúria feminina: você pode ser considerada literalmente louca, histérica, ter transtorno de personalidade borderline, transtorno afetivo bipolar ou será que você não está de TPM? Ou seja, as mulheres simplesmente não têm o direito de ter raiva.⠀
Geralmente a raiva feminina é direcionada contra nós mesmas, contra nossos corpos e contra nossas iguais (sejam elas mães, filhas, irmãs…). Outra coisa comum é a raiva se transformar numa profunda tristeza porque assim ela é mais aceita.⠀
Fêmeas furiosas que falam abertamente sobre o massacre que a violência masculina provoca tornam-se automaticamente, mais uma vez LOUCAS. Ela deve ter algum problema pessoal contra homens e um passado de abuso masculino, mesmo que os dados nos provem todos os dias que a maioria das mulheres são violentadas por homens. Não são casos isolados, são estatísticas.⠀
Vivemos tempos especialmente cruéis com as mulheres. Somos divididas entre feministas boas e feministas más. As malvadas, as radicais (que não são vistas como radicalmente contra o patriarcado) somos as fêmeas insubmissas e raivosas que não aceitam o sexo masculino no nosso movimento político e nem nos nossos espaços. Somos as ratafem com buceta fedida, as terfs que merecem ser estupradas e mortas, as feminazis, as conservadoras, as bruxas, as megeras de meia idade amargas.⠀
“Toda mulher tem um arsenal bem abastecido de raiva potencialmente útil contra aquelas opressões, pessoais e institucionais, que geraram a mesma raiva. A raiva é carregada de informação e energia.” AUDRE LORDE⠀
A raiva é o que me mantém viva hoje, toda vez que sinto a dor de ser mulher eu me enfureço mais um pouco e sigo alimentando meu ódio, me faz bem ao contrário do que a culpa cristã prega. Perco o medo e consigo continuar de pé mesmo apanhando porque agora eu revido, e minha facada costuma ir bem fundo. Quanto mais raiva, mais ação, melhor eu me sinto. A impotência perde pontos, e um dia ela vai desaparecer quando outras se juntarem à mim.⠀
Permita-se ser mal vista, desagradável, chata, louca, histérica, raivosa, enfurecida e com ódio de tudo, porque sim, temos motivos. Alguém ainda aguenta o papel da boazinha, acolhedora?⠀
Não me peça pra sorrir, eu não quero ser bonita. Eu quero esbravejar meu ódio com todas as forças do meu ser. Eu quero ser afiada como uma navalha. Chega de ser mansinha, “domesticada” com nossos opressores. O feminismo não é pra ser agradável pra portadores de próstata.⠀
A raiva não é uma opção, é questão de sobrevivência. Se você não tá com muita raiva tem alguma coisa errada, você ainda não entendeu. O que tá em jogo aqui é sua vida. Você pode ser estuprada, morta, estuprada depois de morta e nunca ter direitos sobre seu próprio corpo.⠀
Quem se rebela com ódio contra o sistema ganha rótulo de que não adianta conversar ou debater, porque a pessoa está “de cabeça quente” e mais uma vez somos silenciadas. Não dessa vez. Temos motivos pra estarmos em fúria e argumentação suficiente pra calar a boca de qualquer macho meia boca neoliberal que se acha revolucionário por impor o velho poder masculino.⠀